Universo Paralelo

Colecionadores se realizam por meio de objetos que causam nostalgia  

      “é curioso observar que cada objeto tem uma história a ser contada…” 

São histórias de papel, coloridas ou não, valiosas ou não. Já riscaram cadernos, já foram ninadas há anos ou só são observadas pelo vidro que as protege do pó. Já ajudaram a pagar as contas, já viajaram em cartas levando boas novas. Já marcaram as horas e hoje marcam a narrativa de várias vidas. Afinal, seja de papéis de carta, canetas, bonecas, moedas, cédulas, selos, ou quaisquer que forem os objetos, as coleções têm a mesma importância para seus donos que a Mona Lisa de Leonardo da Vinci tem para o Museu do Louvre.  

O colecionismo, como é conhecida a prática de guardar, juntar, trocar, organizar, entre outras particularidades, envolve milhares de pessoas. Como terapia, fonte de renda ou um simples hobby, os colecionadores tentam juntar pedaços de seu próprio universo que são traduzidos pelos objetos de desejo. 

Com mais de 700 itens, a coleção de bonecos playmobil é um dos recordes do RankBrasil (Créditos: Arquivo pessoal)

Cadari no "Tudo é possível", ainda sob o comando de Eliana (Créditos: Arquivo pessoal)

Segundo o auditor e diretor do site RankBrasil, o livro dos recordes brasileiros, Luciano Cadari, são recebidas por mês de três a quatro solicitações para homologar recordes envolvendo coleções.“Um colecionador além de ter o prazer de montar, guardar, limpar, organizar, catalogar seus objetos de coleção, também sente a necessidade de expor para as pessoas o seu trabalho”, afirma Cadari.

Cadari também coleciona, mas é na internet que ele busca aumentar seu acervo. O auditor tem uma coleção de 50 mil ROMs (cópias de jogos de cartuchos de vídeo games antigos para serem jogados em computador com emuladores – programas que simulam o hardware de outros aparelhos).

A bancária Flávia Romanha de Oliveira, 34, também está no RankBrasil. Ela é a maior colecionadora de papéis de carta do Brasil com um acervo atual de 30.557 exemplares.

O hobby era moda entre as meninas da década de 80, e foi lá que começou a paixão de Flávia pelos papéis de carta. “Comecei a colecionar em 1986, tinha 10 anos de idade, na época era febre. Antigamente era muito fácil comprar, tinha em todo canto, todo mundo colecionava. Hoje em dia é bem mais complicado, e graças à internet conseguimos comprar várias raridades por aí”, conta a bancária que faz parte de uma comunidade virtual de colecionadoras chamada “Loucas por papéis de carta”, em um site de relacionamentos. Ela também possui um perfil exclusivamente dedicado à prática.    

Papel de carta egípcio feito de papiro é o item mais raro do acervo de Flávia Romanha (Créditos: Arquivo Pessoal)

Para Thais, os benefícios de colecionar são sentimentais (Créditos: Pietro Pires)

Flávia participa de encontros nos quais são realizadas trocas. Segundo ela, as frequentadoras têm entre 6 e 65 anos, mas a média de idade das colecionadoras é de 35 anos. “Quando estou trocando ou organizando os papéis de carta, acho que novamente sou transportada para um momento único e especial, a infância”, ressalta.    

A nostalgia trazida pelos objetos guardados é um dos motivos que fazem as pessoas acumularem vestígios de tempos antigos, como é o caso da estudante Thais Tiemi Mizutani, 19, que coleciona um tipo de boneca que foi sucesso nos anos 80 e 90 no Brasil, as fofoletes.    

Há dez anos as bonequinhas coloridas, primeiramente presenteadas pela mãe fazem parte da vida da estudante. Thais ainda se lembra da primeira que ganhou, uma cor de rosa, e nunca mais conseguiu se desfazer da coleção pelo apelo sentimental e pela facilidade de guardar as bonecas por serem pequenas. “Elas me trazem paz e de certa forma me fazem manter um lado criança que é muito bom lembrar de ter”, diz a estudante que possui 31 bonecas.     

Como afirma Luciano Cadari, “é curioso observar que cada objeto tem uma história a ser contada, e para o colecionador isto é um déjà-vu contínuo em sua vida”.     

 

Excentricidade    

A coleção de fios de cabelo de Simone Giudici causa espanto e curiosidade ao mesmo tempo (Créditos: Arquivo Pessoal)

 Como tudo que envolve hábitos humanos, sempre há algo inusitado, diferente, para muitos até estranho e que ninguém imaginaria que fosse possível colecionar. 

Organizados em fichários por características pessoais, os fios relembram amizades da artista plástica (Créditos: Arquivo Pessoal)

Após diversas coleções que se tornavam descartáveis ao longo do tempo, a artista plástica formada pelo Instituto de Artes da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), Simone Giudice, 41, pensou em colecionar algo diferente, fios de cabelo. Ela teria uma nova coleção e ainda por cima, um pedacinho de todas as pessoas importantes que passaram na vida dela.    

Há 23 anos após sugerir a idéia, um amigo foi logo arrancando um fio e lhe presenteando com o primeiro de 800 fios que fazem parte da coleção atualmente. Os cabelos ficam organizados em um fichário, fixados em folhas brancas e organizados por nome, origem, tipo, família, igreja, faculdade, amigos, entre outros.   

 Tudo isso causa estranheza em algumas pessoas. “Existe um certo espanto , as pessoas acham que é mentira, mas quando mostro todos querem participar, inclusive sendo diferente, como uma amiga que quis dar um cílio também”, diz Simone.    

Como ela adquire estes fios é o mais curioso, um “Ai!” exclamado em um abraço dado por ela pode ser inevitável. “Boa parte é roubada”, brinca a artista plástica que diz que dos abraços sempre acaba vindo um fiozinho. “Lembro da época da faculdade, já havia pego de todos os professores com autorização, mas tinha um que era muito formal, dava aula até de terno, então inventei uma dúvida, fui até sua mesa e enquanto ele me explicava eu estava de olho em suas costas, e realmente tinha um fiozinho lá. Peguei bem devagarzinho, a turma toda de olho, começaram  até a rir”, conta sobre suas peripécias para aumentar sua coleção.    

Segundo Simone, o que começou como um hobby virou uma história de amor por envolver pessoas que estiveram em sua vida em algum momento, inclusive pessoas queridas que já morreram.      

 

Do hobby à obsessão       

Segundo a psicanalista Maria Dolores, colecionar deixa de ser saudável quando se vive somente para os objetos (Créditos: Geison Paulo)

A maioria das coleções começa por algum desejo interno que tem a ver com a história de vida, o desenvolvimento psicológico e social de cada pessoa. A partir daí, é possível surgir a vontade de reter coisas ou objetos, como diz a psicanalista Maria Dolores Alvarez. “Isto está relacionado com traços de personalidade retentiva, pois nem todos os seres humanos se dedicam a esta atividade. O contrário da retenção refere-se a pessoas que se desfazem com extrema facilidade dos objetos”, afirma a psicanalista.     

O que é para ser prazeroso, divertido e instigante pode vir a se tornar um grande problema. O hábito deixa de ser saudável quando estes objetos enredam as pessoas em um esquema de escravização, que as deixam presas aos objetos, de uma maneira que o colecionador não consegue viver sem eles. As pessoas ficam obcecadas, como uma compulsão ou comportamento adictivo relacionado a um conflito psíquico.     

Além de tudo, a parte econômica também entra em jogo quando falamos do assunto, e assim o prejuízo pode ser inevitável em determinados casos. “Temos que levar em conta que algumas coleções têm um aspecto de estética, outras podem ter um aspecto econômico envolvido, colecionando-se objetos caros que podem conduzir a prejuízos na vida financeira”, afirma Maria Dolores.     

A arte de colecionar também ajuda no desenvolvimento e nos relacionamentos interpessoais das pessoas. Na infância a coleção de figurinhas é muito comum, e este comportamento pode conduzir a criança a ter contato com outras. As trocas ajudam a estabelecer relacionamentos sociais, vínculos de amizade, assim obtendo um aspecto saudável, como também pode ocorrer de que uma criança para ter algo, roube outros colegas.     

A influência nos relacionamentos sociais não se dá somente na infância. “No mundo do adolescente e do adulto também pode ocorrer o mesmo (trocas, intercâmbios, aprendizagem etc.), mas é evidente que para que isso seja sadio, as trocas sejam de objetos saudáveis”, enfatiza a psicanalista.     

Portanto, o hábito saudável é aquele que proporciona prazer, divertimento e lazer para o colecionador, mas a partir do momento em que tudo começa a girar somente em torno dos objetos, pode ser a hora de procurar ajuda profissional.

Sobre geisonpaulo

Geison é ator e jornalista. Formou-se em dezembro de 2009 no curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Em 2009 ganhou o 21º Prêmio Losso Netto de Jornalismo com o Documentário: “CQC – Que Programa é Esse?”. Em 2008 estudou um semestre na Universidad Madero, em Puebla, Pue. no México. Estuda atualmente na escola de atores Wolf Maya. Jovem amante da música e poesia, que busca com o jornalismo sanar suas curiosidades, informar as pessoas, buscar respostas e questionar, sempre.
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3 respostas para Universo Paralelo

  1. Joyce Rodrigues disse:

    Finalmente temos a primeira postagem! o/
    Gostei da matéria. Bem leve, pra iniciar! rss
    Eu comecei coleções de várias coisas durante os anos. Com o tempo fui deixando por não ter com quem trocar ou pela rotina que não dava espaço. Reorganizando minhas coisas durante a mudança encontrei papéis de carta e folhas de fichário da minha antiga coleção (a única que ainda tenho, eu acho). É muito legal olhar pra elas e lembrar de como conseguiu, onde comprou, de quem ganhou e das que já usou pra escrever um bilhete ou carta pra alguém querido.
    Acho que as coleções ganham uma força emotiva ainda maior quando o dono é capaz de presentear alguém com uma das peças.

  2. Pietro disse:

    Olá,
    Não tenho nem o que comentar, e você sabe disso…
    Layout interessante, abriu muito bem e escreveu com qualidade também. Gostei das fotos, claro, afinal sem fotos as coisas não tem vida. Só tome cuidado com o tamanho dos textos (afinal, é internet), uma dica é usar o “Jump-break” quando necessário.
    Quanto mais, só posso dizer que eu tenho uma grande inveja da sua criatividade e do senso artístico! Acho que não existe um projeto seu que eu tenha visto dar errado.
    Então, nem vou dizer boa sorte por que isso eu sei que você já tem, por isso: Sucesso.
    Um grande abraço

  3. geisonpaulo disse:

    Com certeza, quando se presenteia com itens da sua coleção tem um valor bem maior. Eu nunca fui muito de coleções, mas quando era criança tinha coleção de anjos, os famosos tazos e brinquedos de Kinder Ovo rs, como a maioria das crianças da época. Ainda tenho todas essas coisas guardadas. Alguns brinquedos passei pro meu irmão, que por sinal, já nem existem mais rs.

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